Bisavó Maria do Carmo

Maria do Carmo é a única dos meus bisavós que eu conheci pessoalmente e que tenha recordacoes.

Lembra-me quando eu era criança que já nessa altura notei que ela tinha uma personalidade diferente à dos outros idosos. Lembra-me que ela me acompanhava bastantes vezes para a cama aquando eu ia dormia a sesta e me contava histórias lindas para eu adormecer.

Mais tarde, após a morte da minha bisavó e eu já era um adolescente comecei a ouvir mais histórias sobre ela, histórias sobre uma grande mulher que para mim tinha sido só a „avó carmo“. Comecei a entender que ela não só foi aquela avó simpática à qual eu sempre que a apanhava desprevenida abria o nó do avental nas costas dela e ela ralhava comigo para eu me poder rir ainda mais. Eu sempre fui muito tranquina como criança…

Tudo o que agora segue baseia somente em contagens verbais dos meus pais e de outros familiares, pois n#ao possúo nada por escrito que o possa comprovar.

Contexto histórico:

Maria do Carmo nasceu em 1988, aquando em Portugal reinava o rei D. Carlos I. Após o seu assassínio em 1/2/1908 sucedeu o seu filho D. Manuel II ao trono. O qual consegue reinar até ao dia 2/10/1910 sendo enviado para o exílio após uma Revolta militar para a GrãBretanha. Segue a 5 de Outubro de 1910 a instalacao da primeira República em Portugal, data que é conhecida pela implantação da República e que ainda hoje é relembranda através de um feriado nacional. Após isto seguem 17 anos de uma República democrática bastante instável (45 governos) culminando todo este cáos num golpe de Estado pelo exército e a implantação de uma ditadura gerida pelo general Carmona. Segue em 1933 um regime autoritário chefiado pelo Presidente do Conselho de Ministros, António de Salazar. Este regime mantém-se até 1968. Seguem 6 anos de um regime chefiado por Marcelo Caetano que termina com a Revolução militar de 25 de Abril de 1974, mais um feriado nacional que permance até hoje. Segue mais um ano de cáos político conhecido por segunda república, na qual muitos ricos foram expropriados pois houve muitos que tentaram transformar Portugal numa segunda Cuba e houve até quem tentasse gerar uma guerra civil. Só após as eleicoes em Abril de 1975 e a promolgação da Constituição em Abril de 1976 é que surgiu a terceira e até hoje (2024) válida e mais ou menos estável terceira república em forma de democracia parlamentar.

Escrevo tudo isto para se poder perceber por quantos sistemas políticos diferentes a minha bisavó passou!

Ao meu conto foram no mínimo 5: monarquia, democracia, ditadura, regime autoritario, socialismo e novamente democracia.

Quem perguntava à minha bisavó qual desses tipos de governação ela gostou mais, ela respondia que foram os reis pois eles eram pessoas responsáveis e cheios de amor pelos súbitos.

Curriculo:

 

Segundo aquilo que me foi contado, a minha bisavó foi uma entre muitas filhas e flhos de uma família de algumas posses rurais (casas e terrenos). Infelizmente não sei ao certo quantas irmãs e irmãos ela teve, mas acho que ela era a mais velha deles todos. Naqueles tempos quem podia mandava as filhas após a escola primaria (3 anos) como serventes para uma casa nobre ou rica com a intenção de que a jovem aprenda boas maneiras nessa casa de gente fina. Foi assim que a minha bisavó foi enviada para a casa dos Borges Mendes Cruz em Lagares da Beira.

É aí que comeca a fase mais difícil na vida da minha bisavó, pois um dos filhos do Senhor Dr. Francisco Borges Mendes Cruz (a Rua da Igreja em Lagares foi nomeada com seu nome) para o qual ela trabalha é quase da mesma idade dela (5 anos mais novo) e surge uma gravidez provocada por ele. É a gravidez da minha avó materna Maria Ventura. A qual nasce a 17/08/1910.

Como naqueles tempos a diferença entre as famílias era um aspecto importantíssimo, e a familia dela era no contexto social bastante inferior ao da familia onde servia não lhe foi autorizado o seguimento desta relação e o pai biológico da minha avó não assumio a sua filha.
Percebe-se um pouco esta decisão tomando em conta que ele tinha 17 anos aquando a minha avó nasceu e decerto era jovem demais para ser pai. Mas não explica os pais dele que descendem de famílias antigas (ver árvore genealógica) e orgulhosas não terem assumido uma filha e neta. Nem os reis dos quais eles descendem há 1000 anos faziam isso!

Eu só posso imaginar qual o inferno pelo qual a minha pobre bisavó teve que passar a partir desse momento. Aínda hoje as pessoas das aldeias apontam o dedo para uma mulher que dê a vida a um filho ou filha sem pai. Ainda hoje falam mal duma mulher que seja abandonada por um homem e atribuem todas as culpas à mulher! Naquele tempo então deve ter sido um escândalo imenso. Daí que tenho um enorme respeito pela família da minha bisavó ter assumido o bébé e não ter feito um desmancho como hoje se usa e até se tornou legal.

Naquele tempo a família dela decidiu portanto ajudar a minha bisavó e consentiram ela viver numa casa da família, na qua viveu até á morte e que hoje (2024) se econtra em ruínas no centro de Lagares da Beira (Rua do terreiro).

Desde aí este facto tornou-se um tabú na família da minha mãe que eu só consegui desvendar devido à minha curiosidade e teimosia de jovem adolescente.

Por aquilo que me foi contado a minha bisavó nunca mais casou novamente e nunca se constou que ela tivesse tido nova relação com outro homem até à morte. Tendo em cconta que ela chegou quase aos 100 anos de idade percebe-se que ela deve ter ficado imensamente ferida e traumatizada com o que lhe aconteceu aquando mulher nova.

Como já escrevi ao principio, nao há provas algumas de este „escandalo“ mas o que aconteceu já me foi confirmado por mais pessoas que viveram naquela altura que ouviram do que aconteceu. Lembra-me de um encontro mais ou menos no ano 2010 na estrada à frente da casa dos meus pais. Apareceram duas senhoras de idade bastante avançada que se apresentaram à minha mãe como parentes da parte da família do tal pai biológico da minha avó, portanto primas não oficiais da mina avó. Elas confirmaram toda a história e disseram à minha frente que é pena tudo isto ter acontecido como aconteceu e que tinham todo o orgulho se a nossa família fosse parte oficial da familia deles.

Nao é uma prova mas sim um indício, a doenca final da minha avó. Trata-se da multiple sclerose. Doença que é hereditária e que era frequente nos menbros familiares femininos da família do pai biológico dela. Eu acho que até ele próprio também morreu dessa doença. Felizmente a cromossomo X responsável por essa doenca não passou da minha avó para as suas três filhas. Mas lembro-me perfeitamente que até a neta dela, minha prima, teve muito medo ao nascerem as suas filhas que voltasse a reaparecer essa doença nelas . Deus teve piediade com a nossa familia e evitou que a informação genética esponsável por essa doença tivesse passado para a seguinte geração.

Sendo assim a minha bisavó decidiu ser forte e tornou-se se já não o era numa mulher trabalhadora e lutadora.

A alguma altura teve a ideia de produzir frutos secos tais como nozes colhidos em próprias terras ou compradas a agricultores da região. Secava-os em casa e enpacotava-os para os vender em mercados da região. O negócio cresceu e desenvolveu-se a pontos de ela conseguir vender os frutos em mercados mais distantes como o mercado do Porto. Chegou a ter vários compradores nessa cidade. Relembro que estamos a falar dos anos 10, 20, 30, 40, 50 do século XX, anos os quais quase impossibilitavam que uma mulher pudesse viajar e nogociar sozinha com facilidade. Não sei e infelizmente ninguém mo conseguiu explicar como ela conseguiu tudo isto…

Após a filha ter casado com o meu avô António Costa a situação dificultou-se pois surgiram rapidamente três netas, entre elas a minha mãe (meio). Toda essa gente vivia em casa dela e apesar do meu avo como carpinteiro ter contribuido para as finanças da casa todo o dinheiro era pouco nos anos 30 e 40, anos de enormes dificuldades em Portugal pois em Europa sofria com a segunda Guerra Mundial e António de Salazar popou Portugal de um envolvimento nessa mesma Guerra mas não conseguiu evitar a escassez e pobreza no País. Lembro-me de todos os meus avós terem confirmado essa situação de escassez nesses anos.

Foi nesse contexto que o meu avô decidiu emigrar para o Brasil e para outros países estando largos anos fora do pais. Nesse tempo a transferência de dinheiros entre os países era bastante complicadada, daí que a familia da minha bisavó que constava dela, sua filha e as três netas, portanto 5 cabeças, tinha grandes dificuldades em gerir as finanças. A minha bisavó não esteve com meias medidas e formou uma empresa mini-fábrica com todas elas como empregadas e por aquilo que ouvi havia um regime duro em casa. Todas tinham que contribuir e produzir frutos secos! E a minha bisavó andava muitas vezes em viajens levar os frutos para os mercados do País.

Mais tarde, as netas já adultas e casadas, o meu avô regresou da sua emigração e foi nessa altura que a minha avó começou a adoecer cada vez mais da multiple sclerose. O meu avô e a minha bisavó tratavam da minha avó que quase já não saía da sua cama.

Foi nessa altura (anos 70 e 80) que conheci a minha bisavó e que me lenbro de todos eles.

Portantto fica-me na memória a minha bisavó como uma mulher fortíssima e de grande coração para mim e para todos os familiares. Ela gostava muito do meu falecido pai pois encontrou nele uma alma semelhante à dela, trabalhadora e corajosa.

A minha bisavó serve de exemplo hoje mais que munca para todas as mulheres e para mim em epecial, como se consegue enfrentar uma catástrofe pessoal e sair como vencedor ao fim!

Tenho todo o orgulho em ter-te conhecido e ter sabido quem tu foste. Estarás sempre no meu coração querida avó Carmo!